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FERNANDA PAZ

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Poderia usar poucas linhas para escrever em que me formei, em que trabalho, onde estudei entre outras informações que caracterizam uma biografia...mas queria falar um pouco sobre como cheguei por aqui. Mais sobre o caminho, mais do que me fez quem sou e a constante construção. A vivência nos molda, e o peso é como vamos reagir/agir ao que vivemos.

Começando com passos lentos vou aos meus bisavós maternos, retirantes fugindo da seca, vindos de São Raimundo Nonato para Ribeiro Gonçalves, ambos municípios do sul do Piauí. Lá fizeram morada, daí vieram meus avós, trabalhadores de roça, comiam o que cultivavam a duras penas e assim criaram seus cinco filhos cuja vida na pequena Ribeiro Gonçalves já não bastava mais. Almejantes a um futuro diferente dos pais, assim vieram para a capital Teresina, estudar, trabalhar e ter esperança. Destaco para este texto minha mãe. Vera, linda, mulher negra, franzina que apesar do porte emanava força. Na capital, trabalhava como empregada em "casa de família", em um tempo que direito nenhum tal emprego oferecia. Apenas deveres, que de tão pesados eram por vezes  desumanos. Enfim, fazia tudo e ainda criava os filhos da patroa. Estudava a noite, e às vezes era impedida de ir a escola por excesso de trabalho. esta não é uma descrição de um conto de fadas, estou descrevendo a realidade de milhões de brasileiras nos anos 70 e 80 e até mais. 

Conheceu meu pai. Francisco. Operário. Casaram-se e com poucos meses de casada ele foi assassinado em um bar onde tinha ido tomar uma cerveja depois do trabalho como de costume. Foi aí que minha mãe descobriu a gravidez de três meses.

Por aqui eu chego. Inesperada na vida de uma jovem triste com a morte do marido e com poucos recursos para cuidar de uma criança. Fui levada à Ribeiro Gonçalves, lá passei meus primeiros meses com meus avós e minha tia. A negra, a franzina, a empregada teve de me tirar do seu colo para por os filhos de outras, por essas eu enfatizo aqui a força dessa mulher.

Estudou e começou a lecionar, se juntaram os irmãos e viviam de aluguel em um pequeno cômodo do mercado do mocambinho (hoje centro de produções) e lá vinha eu, chorando na rodoviária sem reconhecer o colo da minha própria mãe. As lágrimas maiores não eram as minhas, mas as dela.

De morar no mercado eu lembro de cheiros como o de salgadinho de trigo vindo do galpão ao lado.

Mudamos para uma casa, os três irmãos ainda juntos dividindo o aluguel, era linda pra mim porque tinha flores no terreiro. Eu e meus três primos éramos como irmãos. Um cuidava do outro. Eu era a caçula. Eles me ensinaram muito.

Lembro da terra, da água nas plantas. A terra molhada.

As férias no interior fortaleciam meu contato com a natureza, com a mãe terra.

Nos embrenhávamos em quintas alheias em busca de brincadeiras como subir em árvores ou ficar atolados na lama, ou mesmo na busca de bonecas ruivas de espigas de milho.

Na terceira mudança (ainda no mocambinho), lembro dos alagamentos. Acordar no meio da noite com água na canela. Até o Tunico (nosso porco de estimação tinha de ir pra cama pra não se afogar).

Lembro da morte do Tunico. Dos gritos. 

Nesse dia chorando prometi que não comeria um pedaço sequer do Tunico. Mas o torresmo estava irresistivel e era o que tínhamos para o almoço, jantar e próximos dias.

Lembro que havia uma dispensa onde além dos materiais de limpeza e alimentos ficava a estante de livros. O melhor alimento. Eu passava horas enfurnada naquele calor lendo Reinações de Narizinho do Lobato. Também me apaixonei pela coleção vaga-lume.

Gostava de ouvir histórinhas em fita cassete.

De música, o Belchior, Elis Regina, Jessé vindo da casa dos vizinhos me atraía. O canto da Minha mãe na cozinha. Roberta Miranda na radiola da minha tia e Roberto Carlos no ônibus na volta da escola (emoções com o rei). 

E desenhar.

até os 12 eu passava tardes e tardes desenhando com minhas amigas. desenhávamos nossas próprias bonecas, as roupas que elas iriam usar, desenhávamos o sofá, a cama, a casa inteira. E quando dava um vento, nossos papéis iam todos pelos ares.

Aos 13 eu já tinha livros escritos e desenhados em cadernos pequenos pedindo para minha mãe levar em alguma editora.

Fomos morar sozinhas minha mãe e eu na zona leste de Teresina. Pouco tempo depois depois a vida me deu uma irmã de coração.

No ensino médio eu (com aparelho nos dentes, aparelho de coluna e leve depressão constatada em consultórios psiquiátricos) tinha um fichário com contos meio sacanas que rodavam a sala inteira, os amigos sempre aguardavam ansiosos pelo próximo. Muitas vezes eu não fazia o final só para atiçar.  Bem típico daquela fase.

Depois vieram os poemas e fanzines.

Me formei em pedagogia pela UESPI, seguindo o mesmo caminho da minha mãe e também em artes plásticas pela UFPI. Fiz especialização na área em que estou trabalhando atualmente (Educação Infantil), me encanta os pequenos, não as condições de trabalho.

Estudei Teatro por alguns anos, participei de algumas montagens de Nelson Rodrigues e alguns trabalhos autorais, gravação de curtas entre outros. Ainda hoje o Teatro me encanta muito apesar de ter tirado de mim muitas lágrimas. Mas a emoção do palco, o sentimento de prazer, foi um dos melhores que já experimentei.

Já alimentei um blog por alguns anos, depois disso lancei meu livro de contos: O buraco e outras histórias. Participei de algumas antologias.

Já tive uma banda que nunca tocou, apesar de composições próprias e ensaios.

Já viajei pelo Piauí em trabalhos voluntários

Já plantei árvores. Cultivo um jardim.

Amo e sou amada.

Da vida guardo livros, discos e sentimentos.

E do muito (pouco) que vivi, nada me passa batido.

Me alimento das sensações diárias

desde sempre.

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